Neologismo em Literatura: O Que Joyce e Rosa Têm a Nos Ensinar?
- Paulo André

- 15 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de set.
A Invenção do Mundo em Palavras: Neologismo e o Gesto Radical da Criação Literária
A linguagem, para a maioria das pessoas, é vista como um sistema fechado, um conjunto de regras e convenções. As palavras estão ali, prontas, como ferramentas imutáveis em uma caixa de metal. Mas há escritores para quem esse sistema é insuficiente, para quem as palavras disponíveis são incapazes de expressar a totalidade de uma visão de mundo. Para eles, a única saída é um ato de rebeldia: a criação de novas palavras, a invenção do neologismo.
Este não é um mero capricho estilístico. É um gesto profundo, um testemunho de que o mundo que se quer representar não cabe nos limites da língua existente. James Joyce e Guimarães Rosa, cada um a seu modo, são mestres dessa arte radical. Suas obras nos mostram que o ato de escrever pode ser, ao mesmo tempo, um ato de conservação e de destruição: destroem as formas antigas para conservar uma nova realidade que, de outra maneira, se perderia no silêncio.
O Regionalismo: Uma Hipótese que Se Transforma

A pergunta que nos move é: estariam os neologismos de Joyce e Rosa ligados ao regionalismo? A resposta é complexa e fascinante, pois revela a diferença entre uma obsessão local e uma projeção universal. Sua hipótese, Ana Amélia, encontra eco e ressonância, mas ganha novas camadas de significado.
Em Guimarães Rosa, a ligação com o regionalismo é direta e visceral. Grande Sertão: Veredas não é apenas uma história do sertão; é a criação de uma linguagem que é o próprio sertão. O neologismo rosiano não é um ornamento; ele é o solo, a flora e a fauna de uma geografia mítica. A linguagem do sertanejo é sua matéria-prima, mas ele a transcende, construindo um universo filosófico e místico com base em um vocabulário que, para muitos, seria limitado.
O crítico Antônio Candido, um dos maiores intérpretes da nossa literatura, afirmou sobre Rosa: "O seu trabalho com a língua é uma das mais ricas e originais da literatura portuguesa. A sua prosa, de um lado, enraíza-se na fala regional, de outro, elabora-se a partir de uma poderosa e complexa sintaxe que a transfigura."
Rosa, portanto, nos ensina que o neologismo é o caminho para transformar o regional em universal. Ao invés de ser um simples registro folclórico, sua língua reinventada nos mostra que o drama do homem do sertão é, em sua essência, o mesmo drama humano. Ele eleva a conversa local a uma reflexão existencial.

Em James Joyce, a dinâmica é diferente, mas não menos fascinante. Seu regionalismo é a obsessão por Dublin. O que a Ilíada foi para a Grécia Antiga, o Ulysses é para a Dublin de 1904. Suas palavras inventadas e portmanteaus (smiles-laughter-tears) não nascem do folclore de uma região bucólica, mas do caos e da polifonia de uma metrópole. O neologismo joyceano é o reflexo da mente humana moderna: fragmentada, cheia de ecos de outras línguas e culturas, movendo-se entre o sagrado e o profano, o trivial e o cósmico.
Apesar de ser intensamente localizado em uma cidade, Joyce usa esse microcosmo para fazer um experimento linguístico global. Suas palavras são hibridismos de inglês, alemão, latim, grego e muitas outras línguas. Se Rosa expande o sertão para o mundo, Joyce comprime o mundo na sua Dublin. Ambos, no entanto, compartilham a crença fundamental de que a linguagem precisa ser quebrada e refeita para se adequar à complexidade da vida.
Uma Vontade de Romper: O Contexto Global do Modernismo
A pergunta sobre se este foi um movimento global é crucial. Embora não tenha havido um manifesto conjunto assinado por Joyce e Rosa, a vontade de romper com as convenções da linguagem foi uma tendência estética que percorreu o modernismo em escala global.
Em um mundo abalado pela Primeira Guerra Mundial, onde as antigas certezas e a linguagem que as sustentava pareciam insuficientes, muitos artistas sentiram a necessidade de uma nova forma de expressão. O filósofo Ludwig Wittgenstein afirmava que "os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo". Para os modernistas, a única maneira de expandir os limites do mundo era expandir os limites da linguagem.
Podemos encontrar ecos dessa vontade em outros autores e movimentos:
Ezra Pound e o movimento Imagista, buscando uma linguagem concisa e direta.
Gertrude Stein, que desafiou a sintaxe e a narrativa linear.
T.S. Eliot, que usou fragmentos de diferentes textos e culturas para criar uma poesia que refletia a fragmentação do mundo.
Os futuristas italianos e russos, que celebravam a anarquia verbal.
Todos eles, assim como Joyce e Rosa, entendiam que a linguagem é um organismo vivo, e não uma ferramenta estática. O neologismo é a cicatriz desse processo de renascimento. Como o próprio Joyce escreveu sobre seu método em uma carta:
"O artista, como Deus da criação, permanece dentro, acima, ou por detrás da obra, invisível, refinado longe da existência, parando para a unha."
Ele era um arquiteto linguístico, construindo uma catedral de palavras, e para isso, ele precisava criar as próprias pedras.
Aqui na Letra & Ato, nossa missão é, em essência, entrar em diálogo com esse ato de criação. Nossa revisão não impõe uma norma; ela busca entender a intenção por trás de cada palavra. Se um autor cria um neologismo para dar vida a um novo conceito, nosso papel é garantir que essa palavra tenha a força e a clareza necessárias para atingir o leitor. Nosso trabalho é respeitar, aprimorar e amplificar a voz única do autor, mesmo quando ela quebra as regras.
Afinal, a literatura mais rica é aquela que nos leva a lugares onde a língua nunca esteve antes. E o nosso ofício é garantir que essa viagem seja a mais segura e instigante possível.
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📚Sugestão de Leitura do Paulo André: O Ato da Escrita de Ezra Pound
A leitura deste livro é fundamental para quem deseja entender a filosofia por trás da criação verbal e como os grandes modernistas como Pound, Eliot e Joyce buscavam uma linguagem precisa, concisa e poderosa para expressar a complexidade do mundo moderno.
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